O rock e a distorção


A atitude do rock-and-roll solicitou do órgão mais do que a rotação rápida da caixa Leslie podia oferecer. Se na sofisticação harmônica do jazz e do blues isso bastava, tecladistas como Jon Lord e Keith Emerson queriam mais!

Nos anos 80, comprávamos um álbum e, enquanto desfrutávamos o som da bolacha girando, apreciávamos, com cuidado, a capa do disco. Figuras e textos eram devorados e mensagens subliminares eram procuradas com dotes de Sherlock Homes. No entanto, os músicos – não os simples apreciadores – e principalmente os tecladistas, queriam saber detalhes do setup que o artista ou a banda tinha utilizado na gravação. Ali eram listados todos os equipamentos. E até mesmo as conexões MIDI, depois que esse protocolo surgiu, eram explicadas minuciosamente.
Lembro-me de estar com a capa do álbum “Elektric Band” de Chick Corea nas mãos, assustado com o número de TX816, módulos do célebre Yamaha DX-7, que ele acionava por meio dos controladores MIDI KX-88 e KX-5. Eram tempos de muita criatividade e inúmeras novidades e, para músicos de verdade, a tecnologia da época não oferecia
limites, mesmo que fosse tecnicamente limitada. Instrumentos de alto custo, como o Fairlight e o Synclavier, eram levados ao palco com o objetivo de expandir os horizontes musicais.

Isso foi nos anos 80, mas quem começou essa história foram os tecladistas de bandas únicas e eternas dos anos 60 e 70, como Deep Purple e Emerson, Lake & Palmer, em um tempo em que o piano acústico e o órgão Hammond formavam a base dos arranjos.

keithemerson2Keith Emerson e ELP
As décadas de 1960 e 1970 foram produtivas e criativas não somente para a música e os músicos. Equipamentos e instrumentos também estavam sendo desenvolvidos e tecladistas opinavam diretamente ao fabricante sobre esses projetos. As sugestões e opiniões de Keith Emerson, por exemplo, direcionaram Robert Moog no desenvolvimento de seus sintetizadores. Foi na primeira metade dos anos 60, quando Emerson entrou para os T-Bones, que ele começou a usar um órgão Hammond, intrigado que ficou com o instrumento depois de ouvir o organista de jazz Jack McDuff interpretar “Rock Candy”. De início, adquiriu um Hammond L100, mas, logo depois comprou um modelo C3, que preferia ao B3 por ter as teclas mais duras.

Nos anos 70, já na banda Emerson, Lake & Palmer, usou vários tipos de amplificadores valvulados e modelos de Leslie diferentes, assim como várias caixas Leslie simultaneamente. Ajustes diferentes de velocidade, soando ao
mesmo tempo, davam um efeito potente e de uma abrangência ambiental sem igual, sonoridade essa que muitos, até
hoje, tentam imitar. Emerson também utilizou alto-falantes rotatórios com três velocidades, slow, mid e fast, no lugar dos dois convencionais da Leslie.

 

jon_lord_by_didi_zillJon Lord e Deep Purple
Enquanto Keith Emerson foi o pioneiro no uso do sintetizador Moog no rock progressivo, Jon Lord aplicou o estilo hard rock ao Hammond, pois precisava de sonoridade e performance à altura da guitarra de Ritchie Blackmore, no Deep Purple. Para tal, geralmente usava distorção de válvulas (o volume dos amplificadores era elevado ao máximo provocando uma saturação no som que soava como distorção), com alto-falantes normais no lugar dos rotatórios da Leslie. Além disso, utilizou o ring modulator Maestro RM-1, considerado por muitos, o melhor e mais importante ring modulator já feito, cujo projeto contou com a colaboração de Tom Oberheim e Bob Moog em parceria com a Maestro e a ARP. Esse recurso aparece no solo da música “Fireball”.

Lord foi o primeiro a amplificar um Hammond por um cabeçote de guitarra. A princípio utilizou um modelo da Marshall, mas também usou amplificadores Hiwatt. Essa timbragem pesada e industrial que imprimia ao órgão Hammond foi sua marca registrada. Tanto Keith Emerson quanto Rick Wakeman expressaram publicamente admiração pelo trabalho inovador de Lord no uso do órgão. No início de sua carreira, Lord usava um Hammond L100. Em 1968, comprou seu primeiro Hammond C3 e, cinco anos mais tarde, o trocou por outro C3, incumbindo seu técnico de fazer algumas mudanças. Uma delas foi embutir um piano RMI no Hammond, de forma que ele podia misturar os timbres. Lord também fez interações físicas do órgão com o sintetizador Moog. Esse instrumento permaneceu com ele até o ano de 2002, quando o passou para seu sucessor no Deep Purple, Don Airey. Mas em pouco tempo o instrumento não foi mais usado no palco, pois Airey alegou que estava velho.

 

MikeManganPromoPicDiscFaceNoEffect

Herança

Organistas mais recentes, como a virtuosíssima Barbara Dennerlein, instalam o recurso MIDI em seus tonewheels para ter acesso, por meio dos teclados e da pedaleira do Hammond, a outros timbres, como vibrafone nos manuais e contrabaixo acústico nos pés.

Outros, como Mike Mangan, contudo, respeitando a tradição de organista de hard rock, distorcem o som original do Hammond ao máximo. Mangan, da banda Big Organ Trio, segue o estilo teatral dos músicos dos anos 60 e 70, Tocando o Hammond ao contrário ou colocando fogo no instrumento, além de usar pedais de guitarra como distorção, drive e wah-wah.

Os puristas de estilo mais jazzístico podem torcer o nariz com esse Hammond distorcido, pois preferem a sonoridade mais acústica e amadeirada do velho tonewheel. Mas uma nova geração de organistas tem descoberto as infinitas possibilidades timbrísticas do órgão Hammond conectado a toda espécie de equipamentos, se mantendo vivo e ativo
na música universal.

 

 

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3 Comments

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  1. 1
    fjr

    É uma pena ,ninguém escreveu,mas é assim mesmo,o pessoal tem pressa e olha várias páginas velozmente,ferozmente.Infeliizmente um mundo veloz nçao espera por meros comentários,com esse meu.Bela matéria.Bom gosto.

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