Vox Continental – o som dos anos 60


a0048_1O órgão rebelde! O combo dos céus! O rei dos combos! Fica difícil encontrar uma frase de efeito única para apresentar com justiça essa máquina com mais de 50 anos de palco e que continua ativa até hoje: o Vox Continental

A vida dos tecladistas pioneiros do rock and roll não foi nada fácil. Até a década de 1960, vários artistas e bandas de rock utilizavam pianos acústicos e órgãos Hammond no estúdio. Mas, na hora de ir para o palco, a coisa se complicava. Os pianos eram pesados, desafinavam e eram extremamente difíceis de serem amplificados corretamente para serem ouvidos claramente no meio das guitarras elétricas e das baterias em performances ao vivo.

É claro que o todo-poderoso Hammond B3 estava disponível, mas era caro e igualmente pesado e complicado de colocar na estrada. No inicio da década de 1960, já havia modelos de órgãos Hammond “semi-portáteis” como o M-3,  que, apesar de mais leve do que um B3, ainda continuava monstruoso. A Hammond estava agarrada à ideia de utilização de tonewheels como geradores de som, que é basicamente um conjunto de rodas metálicas girando em frente a captadores eletromagnéticos, uma por nota. Sem entrar em detalhes, imagine esse monte de rodas  (normalmente 96), um motor para girá-las e um monte de captadores e o resultado não pode ser outro senão um instrumento extremamente pesado. Mas eis que, então, surgiu o transistor e, de repente, tudo começou a mudar.

Seguindo a regra, os primeiros órgãos transistorizados foram construídos pensados para o entretenimento doméstico, mas rapidamente os roqueiros começaram a se interessar em levá-los para o palco. Os primeiros modelos não estavam realmente pensados para suportar a vida dura na estrada e, perto das guitarras e baterias da época, pareciam mais brinquedo de criança do que instrumentos de bandas de rock. Então, no início da década de 1960, a empresa Inglesa JMI – que estava gozando de enorme sucesso com seus amplificadores VOX – enxergou uma oportunidade e resolveu voltar às suas origens como fabricante  e órgãos, começando a trabalhar no desenvolvimento de um novo modelo baseado em transistores para substituir os pesados órgãos tonewheel em turnês de bandas de pop e rock.

A Vox, notoriamente uma das principais  fabricantes de amplificadores, começou a vida como “The Jennings Organ Company”, e fabricava órgãos para o uso doméstico e em igrejas. Em 1957, foram incorporadas como “Jennings Musical Industries”, ou JMI. O nome “Vox” começou a ser utilizado nos amplificadores em 1958, e em 1962 foi lançado o Vox Continental, certamente o órgão combo de maior sucesso de todos os tempos.

3482870231_c9eac8e14c_bO Vox Continental
O Vox Continental é simplesmente o rei dos órgãos combo. O instrumento possuía uma interface bastante semelhante à de um órgão Hammond (incluindo os drawbars e sets de vibrato), mas utilizava uma tecnologia completamente distinta. Isso permitiu um instrumento mais adequado para as demandas das bandas da época: muito mais leve, relativamente acessível, elegante, robusto, fácil de amplificar, e podia ser parcialmente desmontado e embalado em sua própria caixa para facilitar o transporte. Conhecido pelo seu timbre rouco e brilhante mesmo nas regiões mais altas, era perfeito para solos rápidos e destacados. Uma das peculiaridades do Vox é o comportamento  original dos dois drawbars da direita. O Vox original possui seis drawbars. Os quatro primeiros, na cor laranja, funcionam de maneira semelhante aos drawbars de tons dos Hammonds. Já os dois drawbars vermelhos da direita,  atuam fazendo um corte geral de graves e agudos no timbre final. Em um órgão Hammond, cada drawbar gera um tom separadamente, que é identificado com uma indicação em polegadas, uma terminologia que vem dos órgãos de  tubo. Ao puxar um drawbar, se aumenta o volume de cada um desses tons em passos graduais de 0 (sem som) a 8  volume máximo). E empurrando um drawbar, se diminui o volume do tom correspondente a esse drawbar. O controle geral de corte de grave e agudo dá um controle muito útil e instantâneo para o organista timbrar um som mais estridente nos solos, e mais gordo nas harmonias.

Havia duas versões do Vox: o original com quatro oitavas – o Vox Continental- e o topo de linha com dual-manual – o Vox Super Continental. Seu teclado com cores invertidas, sua estante cromada de design elegante e futurístico e um acabamento impecável em vermelho pareciam perfeitos para os recentes televisores em cores de então. Sim, o Vox Continental é vermelho, e não por acaso os Farfisas eram também vermelhos e, hoje, os Nords são vermelhos. O Vox é o vermelho original.

1369085965000-AP-Obit-Ray-Manzarek-1305201745_4_3O VOX Continental tornou-se, de imediato, um enorme sucesso e parte integrante do som dos anos 60. Um dos usuários mais famosos do instrumento é Ray Manzarek da banda The Doors: é impossível imaginar o som do grupo sem o VOX Continental. No final da década de 1960, Ray Manzarek acabou trocado o seu velho Vox original utilizado nos primeiros álbuns por um Gibson G-101. O Vox já não aguentava a vida dura da estrada e acabava quebrando constantemente, exigindo reparos de última hora. Mesmo assim, periodicamente o tecladista acabava voltando para o Vox em alguns concertos especiais.

Há uma longa lista de outros usuários que ajudaram a tornar este instrumento um clássico. Um dos solos prediletos em um Vox Continental é o executado pelo tecladista Alan Price, da banda The Animals, em“House of the Rising Sun”, de 1964.

 

Como era um teclado razoavelmente acessível, o Vox logo chegou às mãos de inúmeras bandas de garagem e, durante a década de 1960, foi utilizado em muitos singles de  sucesso. É provavelmente o órgão combo mais popular e mais presente nos grandes concertos históricos do rock e do pop. Um fato curioso, é que havia muitas bandas durante as décadas de 1960 e 1970, sobretudo no Brasil, que pareciam estar utilizando um Vox Combo, mas na verdade usavam outro teclado vermelho vintage muito popular na mesma época, o italiano Farfisa. Introduzido em 1965,  esse instrumento era ainda mais barato e mais compacto que o Vox, e antes do final da década, apareceram dezenas de outras marcas de órgãos “combo” no mercado.

Os primeiros modelos do Vox pretendiam imitar o som de um Hammond, mas o timbre metálico e estridente desses órgãos acabou resultando em um novo som, com personalidade própria e que se tornaria instantaneamente identificável como um som genuíno dos anos rebeldes. Com o tempo, o inverso começou a acontecer:  alguns músicos que não tinham acesso ao Vox tentavam simular o som dele utilizando o velho Hammond.

georgejohn_shealaughDurante a década de 1960, praticamente todas as bandas de rock – do pop ao progressivo, do soul ao hard rock, e claro, a jovem guarda no Brasil – tinham que ter um organista. E não eram apenas para serem coadjuvantes: o órgão geralmente assumia um papel  de destaque em várias canções e álbuns inteiros. Nesta época há quase tantos grandes solos de órgãos como solos de  guitarra. E a maioria deles foi executada ou em um Vox, ou em um Farfisa, ou em um Hammond.

No início da década de 1970, com a introdução de teclados e sintetizadores mais sofisticados, igualmente portáteis e ainda mais acessíveis, como o Moog, os órgãos VOX acabaram caindo em desuso e foram literalmente abandonados no fundo  os porões de vários estúdios. Abandonados, mas não esquecidos. Embora eliminados da produção no início de 1970, até  hoje continua sendo “figura fácil” nos palcos internacionais, e permanece na lista dos órgãos combo mais procurados e desejados do mercado.

Nas décadas de  1980 e 1990, foram ressuscitados para criar o som “retrô” de  rupos como Stereolab, The Fleshtones e The Soup Dragons. O Vox é sem dúvida um dos principais atores na história da música pop e rock do século 20, e merece um lugar de destaque no panteão dos instrumentos de teclas.


2 Comments

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  1. 1
    Adriano Batista

    Olá,
    Parabens pelo blog, muito informativo.
    Procuro por um Vox Continental, existem contatos que possam me levar a adquirir um aqui no Brasil?
    Grato.
    Um abraço. Peace.
    Adriano.

  2. 2
    Felipe B. Maciel

    Olá amigo, sou herdeiro de um Vox Super Continental e gostaria muito de ter acesso a alguém que poderia restaura-lo. Este órgão possui uma história muito interessante, pois existe uma chance de ser o mesmo que está na foto do álbum Jardim Elétrico dos Mutantes. Você possui alguma pista de como restaurar está joia? Abraços Felipe Maciel

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